quinta-feira, 6 de maio de 2021

Matrimônio, “Um Duelo até a Morte” O casamento por toda a vida é um ato de desafio contra todas as dificuldades da vida, das catástrofes às imoralidades. Trata-se de um “Duelo até a Morte”, não contra a pessoa amada, mas por causa dela.



O matrimônio é um duelo até a morte, do qual nenhum homem honrado deveria fugir”. Como muitos dos aforismos de G. K. Chesterton, essa linha ilumina… e surpreende. É uma bela fala de um personagem da obra Manalive, e muitos leitores sentirão que ela tem algo de verdadeiro.



Ainda assim, com um pouco mais de reflexão, ela não deixa de ser confusa. Quem são os duelistas? Se são marido e mulher, então o ditado torna-se sombrio de uma forma decididamente não-chestertoniana: não é possível que ele quisesse louvar os conflitos desagradáveis que tornam miseráveis tantos casamentos. E mesmo se a expressão quisesse referir-se tão-somente a uma “disputa romântica”, ainda assim ela seria exagerada e míope. Os cônjuges podem competir graciosamente às vezes, mas o casamento também está repleto de trabalhos terrenos — lavar roupas, agendar consultas médicas, lavar a louça etc.



 Descrever esse esforço comum na vida como um duelo seria entendê-lo da maneira errada. Além disso, Chesterton certamente não quis dizer com essa frase que os homens não-casados, inclusive os padres de sua própria fé católica, são todos desonrosos.

Mas a linha de Chesterton, nesse conto fantástico de sua autoria, soa como uma frase belamente articulada e de modo algum é destituída de sentido. Para os homens, o casamento é deveras um duelo até a morte, não contra a própria esposa, mas por causa dela.



Os votos de nosso matrimônio tradicional são quase tão românticos quanto quaisquer juramentos que o cavaleiro de um livro de histórias já tenha feito. Na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, renunciando a todas as outras pessoas, até que a morte nos separe — tais promessas são um desafio contra o mundo inteiro, se for necessário. O duelo não é contra a própria esposa, mas contra tudo e contra todos em potencial, inclusive contra si mesmo.

A busca por viver fielmente os próprios votos é ora difícil, ora alegre, mas a medida não se distribui igualmente. Aderir a essas promessas pode acarretar um sofrimento terrível.

Tal é o risco do amor.



Como nos lembra C. S. Lewis, “amar plenamente é ser vulnerável”. Amar outra pessoa significa tornar-se refém seja da sorte, seja de uma vontade alheia. Os votos do matrimônio cristão tradicional são explícitos nesse ponto: a pessoa promete permanecer casada estando na pior situação, na pobreza e na doença, se for o caso. 

A prudência pode mitigar alguns dos riscos; mas, apesar de tudo, o casamento continua a ser uma aceitação de vulnerabilidade por toda a vida, se esses votos forem levados a sério. Para citar Chesterton (mais uma vez em Manalive): “Matrimônios imprudentes!... Onde no céu ou na terra existiram quaisquer matrimônios prudentes? 



Poder-se-ia falar igualmente de suicídios prudentes.” Um compromisso até a morte não é prudente, se uma pessoa está olhando apenas para si mesma.

E o casamento é uma morte de si, porque estabelece, no lugar do “eu” solitário do indivíduo, um “nós” por toda a vida. A união física do casamento, que a Bíblia descreve como “uma só carne”, é apenas uma parte da fusão que é o casamento, na qual o próprio eu, embora não seja abolido, volta-se de modo irrevogável para a outra pessoa. Ceder o controle sobre a própria vida dessa forma pode ser apavorante, e muitos se recusarão a fazê-lo. Pense-se, por exemplo, no eminente filósofo Jean-Jacques Rousseau, que ao longo de toda a vida procurou um meio de ter amor sem vulnerabilidade. Isso simplesmente não é possível nesta vida.



É possível ter prazer ao mesmo tempo em que se tem controle e segurança, mas amor não. E o prazer sem amor se esvai. Por isso, Lewis concluiu seus comentários sobre a vulnerabilidade do amor com um alerta: “O único lugar, fora o Céu, onde você pode ficar perfeitamente a salvo de todos os perigos e perturbações do amor, é o Inferno.”

Aqueles que não arriscam seus corações acabarão fazendo de si mesmos pessoas sem coração. É por isso que os tradicionais votos matrimoniais admitem a possibilidade de corações partidos, pois, se os corações não endurecerem ao longo dos anos, ao menos um deles se partirá quando a morte fizer a sua parte.



Ainda assim, aqueles que amam continuam casados, não apenas por um costume social ou pelos benefícios que a estabilidade do romance e da família proporcionam à sociedade, mas porque o amor os impele a agir assim. Há algo a respeito do amor que nos induz a fazer promessas de fidelidade eterna, como se soubéssemos que tal fidelidade oferece um modo de vida melhor, sejam lá quais forem os riscos que se corram. É uma aliança o que permite que um relacionamento se mova da potência ao ato. O eu que sacrifica sua autonomia sobre o altar do matrimônio se verá mais plenamente realizado nesse relacionamento. 

Só quando eliminamos as outras opções do que nos poderíamos tornar é que podemos entrar no negócio de nos tornarmos alguma coisa; só renunciando a todas as outras pessoas é que poderemos realizar plenamente nosso relacionamento com uma única pessoa.



Mas, nessa matéria, há uma heresia em potencial que ronda nossa cultura: a da “alma gêmea”  (da “tampa da panela”, da “metade da laranja”, ou seja lá como se queira chamá-la). Trata-se de uma noção quase espiritual: existe uma pessoa com a qual você nasceu para estar e, se você se casar com essa pessoa, você será feliz no casamento. Essa visão, abraçada por alguns cristãos, é como um bálsamo para as preocupações relativas aos riscos de se fazer uma aliança, mas ao mesmo tempo torna as coisas piores. A ideia passa a ilusão de que o romance e o casamento com a alma gêmea serão fáceis, mas essa garantia de conforto serve como uma desculpa, tanto para a preguiça (a moral e a outra) em um relacionamento, quanto para o abandono do casamento quando os problemas inevitavelmente aparecem



Além disso, a pessoa que parece ser a alma gêmea de alguém aos 20, 25 ou 30 anos pode se tornar um “encosto” mais tarde. O “par perfeito” para um ego imaturo impedir-lhe-á o amadurecimento, não deixará espaço para que ele se desenvolva. Assim, a ideia da alma gêmea, vinda da cultura pop, deixa de levar em conta o dinamismo e o desenvolvimento necessários para sustentar um relacionamento por toda a vida.



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